terça-feira, 24 de junho de 2008

Batuque & Neoliberalismo

O SACERDOTE AFRICANISTA NUM CONTEXTO NEOLIBERAL*




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Hendrix de Orumiláia é Omòrìsà, Coordenador do Egbé Òrun Àiyé/RS, Professor de História, integrante do GT NEGROS e do CEDRAB e militante do Movimento Negro e contra a intolerância religiosa.


Àgo ye égbon!


O que mais se critica atualmente são os babalorixás e yalorixás que cobram por seus serviços. É de comum acordo entre os praticantes da religião africana, que seus sacerdotes não deveriam, cobrar uma consulta ou trabalho feito para alguém. Entretanto, quase não se tem notícia dos que não cobram.
Conversando com colegas do curso de História, na FAPA, ouço críticas parecidas e até controversas. Certa vez um colega contestou a cobrança, afinal a religião não era para ser comunitária? Noutro dia outra colega, demonstrando intransigência, me perguntou como pode uma pessoa pobre ajudar alguém, se não consegue nem mesmo ajudar a si própria? Só que pouco antes disso ela afirmava que “um pai-de-santo que cobra por seus serviços não merece credibilidade.” Em seguida ela disparou: são todos charlatães! Indagada sobre a generalização, ela corrige: “... uns 80 porcento são!”
Afinal um sacerdote deve ou não viver da religião? A resposta é sim! O sacerdócio é uma profissão como qualquer outra. Os padres vivem da igreja, assim como os pastores, rabinos e gurus. Não há argumentos convincentes para o não exercício do sacerdócio como uma forma de ganhar a vida.
A caridade nunca fez parte da ideologia dos sacerdotes africanos. A noção de cobrança e pagamento sempre existiu no fundamento da religião. A diferença está na espécie de pagamento. Os súditos iorubás sempre pagaram tributos ao seu rei. Este, por sua vez, devolvia esses tributos em forma de grandes banquetes públicos em homenagem aos orixás. Exatamente como fazemos hoje nas festas de batuque.
O sacerdote africanista representa, em Porto Alegre, a aglutinação desses dois cargos africanos: o sacerdote e o rei. Como sacerdote ele empregará os conhecimentos religiosos que possui na ajuda às pessoas. Como rei ele devolverá os “tributos” cobrados por esses serviços em forma de siré aos orixás.
O princípio espírita de caridade foi introduzido no pensamento de babalorixás e yalorixás através de seu envolvimento com a umbanda. Hoje contemplamos sacerdotes que praticam tanto o africanismo quanto a umbanda em seus terreiros, fazendo uma miscelânea de dogmas e conceitos que acabam por confundi-lo e aos seus seguidores.
O neoliberalismo é a ideologia que justifica e defende os princípios do capitalismo, baseado na propriedade privada, na liberdade de empresa, cujo objetivo fundamental é o lucro individual, constituindo-se em expressão máxima do individualismo. Essa doutrina foi introduzida no Brasil a partir do governo Collor e ganhou força no governo FHC. Os sacerdotes de hoje, inseridos nesse contexto econômico, buscam o que qualquer brasileiro tem como meta: o enriquecimento.
A busca pelo acúmulo de capital ou lucro é comum na sociedade brasileira, mas quando se trata de pais ou mães-de-santo a discussão se eleva às dimensões filosóficas. Ou seja, “todo o mundo pode ganhar dinheiro com o que faz, exceto os babalorixás e yalorixás”.
Vamos refletir um pouco: um dos conceitos básicos capitalistas é que a pessoa vende sua força de trabalho para alguém que paga por esse serviço. Se inserirmos esse conceito nas religiões africanas, verificamos que o sacerdote é quem vende sua força de trabalho e o cliente é o contratante que paga por esse serviço. Cada um sabe o valor que tem e cobra o que acha justo pelo seu trabalho. Da mesma forma o cliente pagará o que achar justo de acordo com aquilo que ele procura.
O sacerdote africanista não tem que ser caridoso, na acepção usual da palavra. O que se faz necessário nos dias de hoje é uma consciência social. Ele deve participar ativamente da promoção de uma sociedade igualitária, onde o princípio da coletividade e da verdadeira democracia seja a pauta. Deve se engajar na luta contra o racismo, a intolerância religiosa, a segregação, questões tão evidentes nas sociedades cujo sistema político e econômico é o neoliberalismo.


Púpò àse gbogbo!

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* Artigo publicado no Jornal Aruanda. Edição 0A. Enebe Editora Ltda. Outubro/2005. Pág. 02

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