segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Religião

TEOLOGIA E FILOSOFIA AFRO-BRASILEIRA*



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Hendrix de Orumiláia é Omòrìsà, Coordenador do Egbé Òrun Àiyé/RS, Professor de História, integrante do GT NEGROS e do CEDRAB e militante do Movimento Negro e contra a intolerância religiosa.




Àgo ye ègbón!

As religiões de matriz africana estão alcançando patamares nunca antes alcançados junto às universidades nacionais e internacionais. No passado a religião era vista como um objeto a ser estudado pelos pesquisadores burgueses brancos para conquista de seus títulos em mestrados e doutorados, sempre vendo a religião como algo exótico a ser observado como num zoológico. Geralmente imbuídos por sentimentos eurocêntricos, esses pesquisadores classificavam as religiões de matriz africana como meras seitas anímicas praticadas por negros apedeutas com religiosidade limitada.
Hoje, contrariando todas as estatísticas, vemos nossos irmãos dentro da academia, dentro das universidades, fazendo pesquisas e aparecendo como produtores intelectuais mostrando o Batuque, o Candomblé e a Umbanda com uma visão “desde dentro” como trata Juana dos Santos em seu livro “Os nagô e a morte” (Vozes, 2002). E são muitos os pesquisadores sérios que produzem um material que exprime o pensar da religião africanista a partir de princípios interiorizados na prática do saber acumulado por nossos ancestrais. São Geógrafos, Historiadores, Sociólogos, Psicólogos, Jornalistas, Assistentes Sociais, Biólogos, Pedagogos, Antropólogos, Etnólogos, todos povo do axé. No entanto, o que mais precisamos são de Teólogos, sobretudo aqueles que pensam uma Teologia Afro-Brasileira.
No conceito cristão, Teologia seria a ciência cujo objeto de estudo é o deus bíblico. Como não é possível estudar diretamente um objeto que não vemos e não tocamos, então estuda-se esse deus a partir da sua revelação que seria a própria bíblia. Outro conceito é o de Platão que definiu Teologia como sendo um estudo da natureza divina de forma racional.
Mas e o que seria Teologia Afro-Brasileira?
“É o estudo teórico da concepção de transcendentalidade na cosmovisão africana e sua práxis antropotheogônica afro-brasileira na sua dimensão intercultural”. Essa é a definição do Prof. Jayro Olorodê Ogiyan Kalafor Pereira, baiano da Ilha de Itaparica, iniciado para Oxogiyan no Ilê Axé Opô Afonjá, hoje ligado ao Ilê Alaketu; mestre em Teologia, especialista em Culturas Africanas e Relações Interétnicas na Educação Nacional, bacharel em Filosofia e licenciado em Ciências Religiosas. Ele é o único teólogo acadêmico a desenvolver uma Teologia genuinamente afro-brasileira.
Há cerca de quinze anos o Prof. Jayro fundou o Egbé Òrun Àiyé, uma associação para estudos da Teologia e da Filosofia das culturas negras, com o objetivo de proporcionar aos religiosos de matriz africana uma compreensão melhor sobre suas práticas e vivências. Em meados de 2003, após ter atuado em outros estados como Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina, o Egbé chegou ao Rio Grande do Sul onde foi aclamado e recriado como seccional estadual. Depois de um período de amortecimento, o Egbé/RS retorna revigorado e à toda prova.
A religião de matriz africana, com o passar do tempo, perdeu muito de seus componentes teóricos. Os africanistas faziam rituais e liturgias por pura repetição sem ter o conhecimento dos porquês de suas realizações. Muitos dos antigos sacerdotes ao serem questionados sobre o sentido de se fazer um ritual, geralmente respondiam de forma evasiva, afirmando serem segredos ou que ainda não estava na hora de aprender o que na realidade nunca ensinavam. Ou pior! Por não saber, e para evitar a debandada de filhos, inventavam teorias sem pé nem cabeça, ou se apropriavam de teorias de outras confissões religiosas, muitas delas sem nada a ver com o que praticamos.
O Egbé vem nesse sentido preencher essa lacuna.
Entendemos que o batuque é uma religião negra, de origem africana, adaptada ao Rio Grande do Sul. Entender a religião desse modo, nos faz querer fortalecer essa identidade. E a fortalecemos se os complexos teóricos forem pensados a partir da cosmovisão africana.
Algumas pessoas, no entanto, receosas que são, desacreditam o nosso trabalho afirmando que queremos degradar o batuque ou que tentamos “candomblenizá-lo” ou ainda que estudando Teologia e Filosofia criaremos outra religião.
Mas quanta bobagem dita por quem nem sequer nos dá a honra de visitar-nos em nossos encontros e eventos.
Nossa intenção não é diminuir os poderes dos Pais e Mães-de-santo sobre seus filhos, mas garantir a todos os vivenciadores do batuque um conhecimento mais aprimorado sobre aquilo que eles mesmos praticam. O estudo da Teologia afro-brasileira só trará subsídios positivos, agregando ao batuque componentes teóricos que lhe foram negados historicamente e que podem até mesmo nos servir efetivamente no enfrentamento aos ataques de neopentecostais.

Púpò àse gbogbo!

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Sugestão de leitura
“Os nagô e a morte: pàde, asèsè e o culto égun na Bahia” de Juana Elbein dos Santos.
Tese de doutorado em etnologia defendida em Sourbonne, França. É o mais profundo estudo feito sobre a natureza dos Orixás e dos Eguns. Base eloqüênte para o estudo teológico afro-brasileiro.

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* Artigo publicado no Jornal Bom Axé. Edição 37. Bellgrado. Agosto/2008. Pág. 24

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Governo Religioso

Governo Religioso
por Pai Léo de Oxala
Toy Vodunon do Kwe Jeje-Nagô - Ilê Oxalá Segbo, Coordenador de Projetos do Egbé Òrun Àiyé- RS.





Com o advento da compra do Asè, pagando uma pequena fortuna se tornou comum o dito governo, indivíduos alegam que seu Orixá pediu governo ou que já ganhou ($$$) o axé de governo do Pai ou Mãe de Santo, bem mas há mais coisas por de trás destas justificativas, o governo para esses indivíduos significa, ter o absoluto controle sobre tudo que acontece em seu Ile e seus atos como Religioso. Mas por que acontece isso? Por que ninguém mais quer dar satisfação de seus atos a ninguém, todos querem ser Pais e Mães de santo e ter o seu Governo e com isso autonomia total em seu Ile, ninguém quer ser filho de santo e passar por anos de aprendizado como deveria ser, antes de se aprontar e ter o titulo de Babablorixá ou Yalorixá, muitos esquecem que ninguém se faz sozinho e que ser um sacerdote significa aprendizado constante, aprendizado esse que o Baba ou Yia devem passar, o individuo que não passou pelo tempo de aprendizado, certamente não tem o devido conhecimento e ai estão... muitos Babas e Yias sem o preparo necessário e fica muito claro isso pois estão sempre na “balança” hora se destacam, hora estão na lama, a falta da bagagem Religiosa, de tempo de aprendizado no Ile do Baba ou Yia , traça um caminho em suas vidas que de forma alguma é linear, muitos desses compraram seu Asé em aprontes Express. Antigamente era diferente e pouco se ouvia falar em “Governo” , só obtinha a liberdade parcial quem passou anos ao lado do seu Baba no aprendizado religioso e realmente se destacou como Religioso pela sua fé, dedicação, merecimento e seu conhecimento adquirido e mesmo assim o Baba acompanhava as obrigações desse filho, o filho ia fazer uma obrigação para seu Orixá e o seu Baba estava ao lado, as vezes o Filho já tinha a liberdade de se borir sozinho, mas sob os olhos de seu baba, portanto não tinha autonomia total, tinha sim que prestar contas ao seu Baba de seus atos e hoje esta servindo mais para o Filho dispensar o Pai de santo e não ter que dar satisfação a ninguém de seus atos, acredito que assim perde-se a noção de família religiosa, que é a base da Religião dos Orixás. Pai ou Mãe de santo são para toda vida, e não somente enquanto vc esta com sua obrigação no Ilê deles, por isso que não vemos mais hoje a figura de uma pessoa antiga nos batuques, conhecemos os Pais e Mãe de santo de hoje só que ninguém sabe de onde eles vem, qual a raiz deles, em que bacia foram feitos, enfim e nem eles fazem questão de dizer , pois todos nós sabemos em que circunstancias, eles foram feitos, por isso sempre desconfio do tal governo. A importância da figura do Pai ou Mãe de santo no dia a dia e na porta do Peji nos dias de obrigações, caiu em desuso e com isso se criou o cargo de Padrinho da casa e renegam o seu asé de feitura. A importância da ancestralidade é fundamental, claro que à alguns casos de desacertos entre filhos e Pais, filhos esses que foram bem feitos e que tem bagagem Religiosa e mesmos afastados do Asé de origem continuam rezando sobre a mesma cartilha que aprenderam, não podemos generalizar de forma alguma, mas mesmo assim não se pode renegar as raízes Religiosas. Governo só se obtém após a morte do Baba ou Yia e se tiver orumalé completo com os devidos Axés de Obè e Ifa e se o individuo é cavalo de santo o Axé de fala.






Provérbio africano:
"Quando não souberes para onde ir, olha para trás e saiba pelo menos de onde vens."

"o sangue e a ancestralidade não há como negar, não há como recuar, não há como recusar , nos eleva e identifica"





DA ÉTICA (Por Iyalorixá Fernanda de Oxum Doko)


Uma das questões que mais tem me levado a profundas reflexões é a chamada "ética religiosa", do que realmente se trata, quais suas práticas e anti-práticas dentro da religião afro-riograndense e os malefícios que essas atitudes anti-éticas de Babalorixás, Iyalorixás e Omorixás trazem a nós praticantes e, principalmente, distorcem a visão de nossa religião na sociedade como um todo.
Cada dia ouvimos mais e mais relatos alarmantes, o que nos levam a pensar se existiria uma solução para a enorme crise em que se encontram as relações entre o homem e o sagrado, entre os homens entre si e entre esses mesmos homens quando o que têm em comum é o culto ao sagrado.


Estamos vivendo um momento em que o culto aos Orixás acabou se tornando objeto de comércio e disputas acirradas. Não há mais respeito pelo Orixá-Ori de cada ser humano, o que muitos enxergam é o que podem obter com cada cabeça que deite por debaixo de sua faca e acabam deixando de enxergar o Orixá e o ser humano para darem olhos ao lucro e/ou prestígio que cada omorixá (filho de santo) pode trazer para dentro de sua casa.

Na semana passada me deparei com a seguinte situação, que vou narrar a seguir:
Estava no Ilê de meu Babalorixá, prestando obrigação à minha Iyá-Ori Oxum Doko e outros 16 Orixás pessoais juntamente com outros irmãos de santo que também cumpriam obrigações a seus Orixás. Dez dias de trabalho com amor, dedicação, fé, responsabilidade perante as divindades e os humanos que ali se encontravam. Chegou o ápice da obrigação, a Festa Grande no sábado. O encerramento de meses de sacrifícios e trabalho árduo, para proporcionar aos meus Orixás, o meu "sagrado orunmalé" o melhor dos melhores. No final da festa me surpreendo com duas de minhas filhas de santo aterrorizadas com um dito "Pai de Santo renomado" que estava no Ilê de meu Babalorixá à caça de filhos de santo, entre esses, omorixás da bandeira de minha Iyá Oxum Doko.
A uma delas dizia este, insistentemente, que seu Orixá-Ori, confirmado há mais de 5 anos, estaria trocado e seu bori mal-feito. A outra, ofereceu-se para ensinar feitiços e ainda ajudá-la a fazê-los e a "segurar" seus efeitos, já que eu, sua Iyalorixá, me negava a ensiná-la a fazer danos e ainda sempre dei ordens para que não os fizesse. Isso deixando de lado o que o mesmo falou sobre os donos da casa, meu Babá e sua esposa, que jamais teria eu coragem de repetir tais palavras e menos ainda torná-las públicas.
Tal fato me causou uma mistura de indignação, raiva, asco e ainda pena! Pena de pessoas que se prestam a esse papel, irem a casa dos outros comerem de sua comida, dançarem para seus Orixás, participarem do momento de celebração de uma grande obrigação religiosa, como é o batuque de 4 pés, e ainda assim, usar dos bastidores para semear a dúvida, a discórdia, a maledicência e, principalmente, o desrespeito às divindades, à cerimônia em si e aos crentes religiosos que estavam ali dedicando seu tempo e suor para proporcionar a essas mesmas visitas um bom axé de prosperidade, alegria e doçura de nossos Orixás.
Minhas filhas com todos os ensinamentos que receberam de como agir em situações religiosas adversas e respeito à hierarquia, já que estava se tratando de uma pessoa mais antiga na religião, se ativeram a ficarem quietas com tal atitude, pois a confiança e o amor aos seus Orixás e sua Bandeira foram superiores à maldade de quem tentou imputar incertezas em suas mentes e corações.


Mas quantos estão realmente preparados para tais atitudes?


E quantos passam por cima de todos os limites de ética-social, respeito, educação, honestidade, boa conduta, seja esta pessoal ou religiosa; com objetivos carregados de egoísmo e vaidade?
Quantos ditos Pais e Mães de Santo estão aí vendendo feituras, axés, governos, e até cabeças? Cabeças sim, pois pagando bem, pode-se escolher o Orixá-Ori, o Ajuntó e ainda a passagem!!!
Porém, tal comércio só existe porque existem pessoas dispostas a pagar para satisfazerem seus desejos pessoais em relação a sociedade batuqueira. Títulos de babalorixás estão à venda como outra mercadoria qualquer, porém, me pergunto diariamente, qual a validade e garantia desses títulos??? Qual será a nocividade dos efeitos colaterais dessa epidemia a médio e longo prazo e o que será de nossa religião se os valores se corrompem e se perdem cada dia mais e mais ao longo do tempo???


Uma conscientização em massa do que realmente representa o culto aos Orixás, suas bases teológicas e filosóficas seria uma das maneiras de tentarmos reverter esse processo. Porém, enfrentamos uma enorme barreira nessa tentativa de difundir os aspectos culturais de nossa religião, pois em uma sociedade em que conhecimento é poder, e a falta deste pela maioria dos fiéis é a garantia da sobrevivência de muitos "Pais e Mães de Santo" e seus Ilês, essa atitude acaba sendo ameaçadora.



Afinal, muitos são os que lucram com essa desordem religiosa atual!



E quem perde é a Religião Africana como um todo!

Bem X Mal (Por Iyalorixá Fernanda de Oxum Doko)


Diferentemente das culturas judaico-cristãs, para os Yorùbá não existe uma figura oposta ao ser supremo, Olódúmarè, e tudo o que acontece no universo, seja de positivo ou negativo, é derivado dele e seu àse(axé).
O bem e o mal não são resultado de uma batalha de duas forças cósmicas figuradas, externas e opostas, mas sim da ação do homem sobre a energia irrefreável, criadora e potencializadora por natureza, porém neutra. É apenas força, nem boa e nem má, o seu uso sim, pode ser para fins construtivos ou destrutivos, e isso depende unicamente do direcionamento que nós, seres humanos, damos a ela.
Olódúmarè deu aos homens àse(axé- poder divino criador), e os dons da mente, da palavra e da inteligência. Ao mesmo tempo cabe a casa um de nós, as escolhas do que fazer com nossos próprios poderes.
Uma das leis universais é que, a toda ação corresponde uma reação, seja ela igual ou contrária. Ou seja, quando emanamos axé, levando-se em consideração que axé é a própria força que nos mantém vivos e está em tudo e todos, é emanado de nós a todo e qualquer momento; então, a cada atitude ou falta desta quando necessário, o universo nos responderá, ou nos devolverá esse axé de alguma maneira.
Dada a complexidade de cada ser humano, que é um conjunto de ideais, paixões, valores, vontades, interesses, crenças, as definições de bem/mal variam de sociedade para sociedade, grupo para grupo, pessoa para pessoa.
Em uma sociedade capitalista, em que a maioria das relações são competitivas e condicionais, esses dois conceitos de confundem ainda mais, pois o bem-estar de um(ns) pode ser definitivamente relacionado com o mal-estar de outro(s).
Tanto o bem quanto o mal acabam variando de acordo com as situações particulares e a necessidade individual de cada um de nós.
Fazer com que uma força, um axé seja uma força boa ou má depende de todo o seu contexto de uso e finalidade, e de todo o processo que será desencadeado a partir dela.
Bem e mal nem sempre serão forças opostas, muitas vezes um único elemento pode trazer consigo ambos conceitos, dependendo do ponto de vista do qual é analisado.
Não espera-se a perfeição dos humanos, ao contrário, nenhum ser humano é totalmente bom ou mau! O ideal de perfeição apenas aplica-se a Olódúmarè, o ser supremo, e nem mesmo os Orixás deixam de ter qualidades e defeitos, aspectos positivos e negativos de personalidade e caráter.
Nem assim deixamos de ter responsabilidade por cada um de nossos atos, pensamentos e atitudes, e usar a forças de forma positiva ou negativa sempre será uma escolha de cada um de nós, segundo nossos próprios valores, vontades e crenças.


Pùpó àsé!

Àse (Por Iyalorixá Fernanda de Oxum Doko)


Afinal o que é AXÉ (àse)???
Força mítica do universo; Poder e força vital; Força divina vivificante ou mística; Força mágico-sagrada; Poder místico e potencial presente em tudo o que existe no òrun (mundo espiritual) e àiyé (mundo material), em todas as coisas, sejam elas concretas ou abstratas.
Força geradora e potencializadora, através da qual Olódúmarè, o Ser Supremo, se faz presente em todos os elementos do universo.
A presença de "Deus" para os Yorùbá não é remota, distante; ao oposto, o "sagrado" está impregnado em tudo e todos através do àse (axé), uma "porção" de Olódúmarè, onipresente, onisciente e onipotente. É a síntese de tudo o que existe, o que impulsiona a vida e a matéria, sendo estas produtos e fontes condutoras deste mesmo àse (axé).
São os Òrìsàs (Orixás) divindades emanadas do próprio Olódúmarè, através e com àse (axé), e são considerados como personificações das "qualidades divinas" e assistem ao Ser Supremo nas tarefas do universo, sendo que cada um deles tem seus atributos e seu "papel" no estabelecimento do equilíbrio das relações entre o mundo espiritual e o material (òrun e àiyé), entre homem e natureza, entre a humanidade e "Deus".
Segundo Pierre Verger:
"...os iorubas nunca viram o ase, nem pretendem personificá-lo. Nem podem defini-lo por atributos e características determinadas. Ele envolve todo mistério, todo poder secreto, toda divindade. Nenhuma enumeração consegue exaurir esta idéia infinitamente complexa. Não é um poder definido ou definivél, é o próprio Poder no sentido absoluto, sem epíteto ou determinação de alguma espécie...é o princípio de tudo o que vive, age ou se move. A vida inteira é ase."
Àse (axé) é tudo e mais... é a própria existência. Sem ele nada é possível! É força que evolui, cresce e revigora-se constantemente. Por sua essência, vai além das definições e da completa racionalização para a compreensão humana.
Àse (axé) é eterno... é tudo o que foi, o que é e o que será!

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Reafricanização - a responsabilidade está em nós!

Por Vanessa Efunpàdé t’Iyemojá (Jornalista, Coordenadora do Egbé/RS, Omosà do Ilè Ogun Onirè e Oyá Niké)


Òní bàbá òla ("O hoje é o pai do amanhã"): este é um ditado iorubano que tem muito a ver com o momento que estamos vivendo. Parece um sonho, mas estamos começando a colocar em prática uma utopia: a da reafricanização de nossa religião. Soa estranho até, pois a Religião é africana. Mas só quem vive este momento de crise religiosa, sabe o quanto este movimento é urgente e imprescindível. Estamos agonizando. Estamos matando nossos Òrisà e deixando morrer a tradição.
Os motivos, estamos cansados de ver todos os dias: desrespeito com a natureza, com os mais velhos, com o processo iniciático, com a história, enfim, o desrespeito com o sagrado.
O conhecimento foi esquecido no tempo, sobrando apenas a desorientação e o desespero. As incógnitas formam buracos na nossa fé. Buscamos cobri-los com qualquer teologia que nos parece lógica. Os enxertos causam estragos maiores ainda. Quando vejo sacerdotes consultando cartas, runas, palma das mãos, bolas de cristal; praticando reike, cirurgia pelo "espaço", terapias holísticas; tomando hóstia e batizando os seus filhos com água benta em nome de Jesus... tenho vontade de chorar. Penso nos profundos ensinamentos dos Odús. Penso em toda a riqueza cultural e sabedoria milenar que nos foi legada e que está sendo desprezada, muitas vezes, por puro interesse comercial.
Mas nós, jovens iniciados, fomos despertados por um conhecimento que ignorávamos. Existe um ditado que diz: "o conhecimento gera responsabilidade". Está na nossa consciência o compromisso de resgatarmos o saber que ficou para trás. Cada um, em seus Ilès, em suas profissões, tem agora o dever de propagar a verdadeira tradição dos Òrisà, Nkices e Voduns.
Nosso trabalho é missionário* e ficará marcado na História se trabalharmos com amor e dedicação.
Os primeiros frutos já estamos colhendo. A fraternidade que se estabeleceu entre nós é prova de que nossos Òrisà estão nos abençoando, e agradeço sinceramente, todos os dias, por isso. Adúpé o!


E kú alé!

* no sentido de "missão"
Imagem: R. L. Cairns

Reflexão

4 gerações( fato histórico)

Reflexão
O mundo hoje anda em total degradação em aspectos variados, guerras insensatas, desmatamento de florestas, poluições desenfreadas e outras conjunturas que desalinham totalmente o sistema natural da vida e do universo.
A vida coletiva está em total desarmonia com o planeta, destruindo aquilo que sempre a sustentou desde os primórdios dos tempos, o seu anima a sua energia vital. Atualmente, objetivos comuns entre nós seres humanos é a disputa do querer, do saber e adquirir, sem se importar com as conseqüências benéficas ou não a quem quer que atinja. Avançando sobre terras, desbravando espaços, querendo brincar de Deus inventando doenças, trapaceando a morte.
Em épocas atras, nossos ancestrais mencionavam que tudo era harmonia e tudo interagia com o divino, não havia discórdia, disputas, intrigas e o desprezo pela natureza, enfim existia a verdadeira essência da alma humana ligada ao mundo e a cosmos.
Onde se perdeu essa sincronização com Olorum e o universo, o que através dos tempo trouxe tanta ganância no coração dos homens, o porque de tantas guerras, tantos crimes hediondos, o desenfrear consumo de drogas, sexo e a demasia absorção do dinheiro.
Estamos engolfados num oceano que cresce sem limites a escuridão, onde a fé em algo que um dia foi inabalável, inatingível e propulsor de algo tão glorioso que é a vida estão sendo manipulados por pessoas que se dizem chefes de estados, sacerdotes, pastores e outras denominações criadas para mesclar a verdadeira face de alguns supostos seres que se dizem de boa fé.
Olhamos para o lado para o”irmão”, para frente nossos “filhos”, para atras nossos “antepassados” e que seja necessário rezar, idolatrar e lembrar a todos que a vida sempre esteve ligada a Olorum, pois, dele recebemos o sopro da existência o “emi” e a ele devemos benevolência. Cultuar uma religião não é obrigação e sim uma arte divina.

Eduardo de Òsàlá -babalorixá do Ilè Asé Omi Orisá
vice-coordenador do EGBE-RS

SEMINÁRIO AFROBAS







SEMINÁRIO AFROBAS.

No sábado de 23 de agosto de 2008 o Egbe compareceu no V Seminário das Religiões Afro-Brasileiras. Um evento realizado pela AFROBAS, onde teve palestras de inúmeros sacerdotes como a Vera de Ossanhã, Volter de Ogum e participações de Jorge Verardi e Cleon de Oxalá. Os assuntos variavam entre o limiar das conseqüências do “Batuque” da antiga com o choque da modernidade. Particularmente evidências mostravam que novas idéias, novos horizontes e remontagem de conceitos, estavam devidamente sendo criticados ou sendo mais ameno analisados. Obviamente o EGBE –RS quando tiver mais em evidência sofrerá um arrebate de criticas mas a estrutura esta sendo criada com fortalecimento e além disso estamos comparecendo em eventos e fazendo eventos, interagindo com a sociedade religiosa e cultural.
Isso tudo fez me lembrar um texto escrito por mim em 2006.

O espaço étnico do Brasil é constituído por várias raças provenientes de vários países, conseqüentemente em nossa fisiologia em nossos conceitos de vida e pensamentos há um emaranhado de raízes étnicas.
Somos uma conjunção variada de etnias de formação oriental e ocidental. Obviamente a soma de tudo isso ocasiona conflitos numa religião de origem milenar, como a nossa o "Batuque" donde vindo da mãe África, espaço que respiravam Orisás, Inkisses e Voduns, onde africanos só tinham suas divindades para adorar, para temer e agradar. O respirar a religião era o conviver, mas a evolução fez o divino atravessar o oceano. Chegando ao Brasil vemos como tudo mudou, convergências de opiniões de como proceder as liturgias em cerimônias é algo corriqueiro, pois até nisso criou-se o livre arbítrio. Cabe o individuo seguir, e saber julgar de forma correta onde exista religião regida com seriedade por um sacerdote de asé existencial ou então cair na malha do destino e se entregar uma casa de “um simples cidadão brasileiro manipulador de energias".
Pùpo Asé!
Eduardo deÒsàla- babalorixá do Ilè Asé Omi Òrìsá
Vice-coordenador EGBE-RS.

Òrisà: só respeita quem tem


Crônica de Vanessa Efunpàdé t’Iyemojá (Jornalista, Coordenadora do Egbé/RS, Omosà do Ilè Ogun Onirè e Oyá Niké)


Dizem que as filhas de Iyemojá são rebeldes e eu penso que todo o senso comum tem um fundo de verdade, embora seja filha deste maravilhoso Òrisà! Pois bem, não sei se era por causa da adolescência, mas lá pelos meus 14, 15 anos, eu vivia batendo com as portas lá de casa. Neste caso era por causa da minha mãe, que não me deixava sair TODOS os finais de semana para as baladas, como eu queria.

Um dia eu estava na escola, cabisbaixa, pensando em como a minha mãe era chata, quando uma colega se aproximou perguntando o que eu tinha. “’Tô de cara’ com a minha mãe. Ela é uma chata! Pega no meu pé o tempo todo. Não me deixa sair pras baladas, quer que eu ajude ela o dia todo com a casa, quer que eu diga aonde vou, com quem, que horas volto... é um saco! Não agüento mais!!!”, desabafei. A resposta da minha colega não podia ter me surpreendido mais. Eu, que esperava total apoio e reforço na minha reivindicação, ouvi o seguinte: “Guria, tu nem sabe como eu te invejo. Eu daria tudo para ter uma mãe como a tua. Pelo menos ela mostra que te ama e se preocupa contigo. A minha não quer saber se estou viva ou morta. Se eu saio e não volto pra casa, pra ela tanto faz. Eu não passo de uma sombra. Ninguém percebe minha ausência lá em casa...”. A partir deste dia, minha relação com minha mãe mudou e aprendi uma grande lição: nossos pais nos repreendem porque nos amam e demonstram isto através da proteção.

Contei esta história, um fato real na minha vida, para explicar que, da mesma forma como nos tratam nossos pais consangüíneos ou adotivos, aqui no Ara Òrun, os Òrisàs agem em relação aos seus filhos. Querem ver?

Desde pequena, sempre fui ousada e atrevida, e os corretivos que levava eram proporcionais às minhas travessuras! Uma vez, lá pelos meus oito anos, fiz um “teste”. Queria saber se era verdade essa história de que as pessoas (elegùn) não sabem que manifestam seu Òrisà. Então, fiz uma pergunta a uma irmã minha sobre um fato que ela não presenciou porque estava “ocupada”. Queria saber se ela ia “lembrar” de ter testemunhado o ocorrido. Ela, obviamente, ficou confusa e não soube me responder. E eu, feliz com o sucesso da minha “pesquisa” – que certamente já tinha realizado com outras “vítimas”. Pode ter sido coincidência, mas no dia seguinte acordei com a língua tão inchada que só conseguia beber água! Realizei outros “testes” ao longo da infância e adolescência, sempre seguidos de um grande “laço”.

Porém, eu não entendia, e manifestava a minha inconformidade em relação a outras pessoas, que desrespeitavam violentamente os Òrisàs e... nada lhes acontecia. Por que os Òrisàs eram imperdoáveis comigo e com os outros eram indiferentes?

Hoje em dia, cada vez mais vemos religiosos de matriz africana fazendo barbáries em nome da Religião, afrontando diretamente as divindades, e me parece que há um sentimento coletivo de “impunidade”. Não acredito que haja uma relação maniqueísta, em que os Òrisàs apliquem castigos, como eu imaginava quando era criança, mas penso que é o resultado dos nossos atos que se materializam em “sanções”, por meio da ação dos Òrisàs.

Mas uma coisa a maturidade me ensinou: assim como minha colega de escola, os religiosos deveriam se preocupar muito se estão cometendo interdições e nenhuma conseqüência surge disto. Esta indiferença do Òrisà em relação ao seu filho tem uma causa e, principalmente, uma conseqüência. Eu, particularmente, quero continuar levando meus corretivos, e agradecendo a Olodumare por saber que meus Òrisàs estão presentes na minha vida, me educando, me corrigindo, me protegendo.

Foto reproduzida do livro Mitologia dos Orixás, de Reginaldo Prandi.


palestra do prof Norton.



Palestra do prof. Norton

Num modo ilustrativo(projeção de slides), o professor e antropólogo Norton F. Corrêa autor do livro "O Batuque do Rio Grande do Sul" nos agraciou na noite de 14 de agosto de 2008, com uma vasta bagagem de conhecimento constituida num desfile de fotos antigas de vários sacerdotes de nossas religiões de matriz africana, além de curiosidades e situações ritualística, tudo ali preservado em imagens digitalizadas. Imagens até curiosas de imolações, de axêres e inclusive de Orisás ocupados em seus filhos, relatados pelo professor que a seriedade e a confiança é o que tinham os babalorisás e ialorisás, pelo trabalho que ele fazia já naquela época há quase quatro décadas atrás e a qual retratou cada detalhe que obteve em seus estudos. Tudo isso num modo contextual demonstrou aos presentes a enciclopédia milenar de oralidade e magia que vivenciou, aprendeu e interagiu com o "Batuque". Convivendo com antigos sacerdotes como Airton de Xangô, Mãe Moça de Oxum e Mãe Esther de Iemanjá. Realmente o professor obteve grandes conhecimentos não só pelo lado litúrgico mas também no lado humano dos religiosos e o transcorrer do dia a dia de um ilè.

Eduardo de Òsálá - babalorisá do ILè Asé Omi Òrisá.vice-coordenador/ Egbe-rs
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