sábado, 10 de janeiro de 2009

Manifesto Teológico

Manifesto em defesa do estudo teológico da Religião Afro-Brasileira1


Jayro Pereira de Jesus2
(Ogiyán Kalafor Olorode)
teologiaafro@yahoo.com.br


A religião de matriz africana e afro-brasileira tem sido alvo de dois processos de corrosão que as vêm desmoronando paulatinamente. Um que ataca de fora para dentro e outro “desde dentro” das próprias religiões afro-brasileiras que trabalha na lógica do cupim. O primeiro processo de corrosão de natureza externa que se arrasta histórica e secularmente é proveniente da sociedade como um todo, cuja ótica ainda está arraigada ao ideário do Brasil Colônia, Império, República Velha e que continua vigente na atualidade como que inalteradamente.
Importa dizer que nem mesmos as políticas de reconhecimento levadas a efeitos pelas atuais ações afirmativas, advindas dos setores dos âmbitos federais, estaduais e municipais, tirou do lugar marginal a que estão relegadas as Religiões de Matriz Africana e Afro-Brasileira conjuntamente com seus fiéis. Assim, portanto, a sociedade abrangente mantém seus estigmas, estereótipos, preconceitos e discriminações para com as Religiões Afro-brasileiras inarredavelmente.
Com o recrudescimento da intolerância religiosa as discriminações aos Cultos Afros potencializaram-se ao tempo que são retroalimentados. Nessa direção o imaginário da população é trabalhado para recobrar ou reavivar sentimento de afrotheofobia pelos meios de comunicações de que dispõem as denominações evangélicas. As perpetradoras da intolerância religiosa que cada vez mais sofistifica o seu proselitismo beligerante, ao tempo que cede às violências físicas aos adeptos afros que as sofriam em logradouros públicos. Ataca agora de forma semiológica e semanticamente com requentes de perversidade.
Importa refletir que os malefícios atribuídos aos Cultos Afros não são só absorvidos pelo conjunto da população incitada contra a Religião dos Orixás, Inkices, Voduns e demais Entidades Espirituais que se apresentam na Umbanda, na Quimbanda, etc. Os malefícios numa espécie de teologia afro do mal são introjetados por adeptos e que soma um contingente muito grande de vivenciadores/as que reforçam negativamente a sua fé na religião afro-brasileira. O fenômeno instaura sentimento de impotencialidade, envergonhamento e, por conseguinte, auto-invisibilidade nos adeptos que se esquivam de toda e qualquer manifestação ou autodeclaração de notoriedade e, sobretudo, pública.
A segunda ação de corrosão advém do âmago das Religiões de Matriz Africana e Afro-Brasileira, capitaneada pelas hierarquias dos Templos Afros e dos seus adeptos em geral, ressalvadas as raríssimas exceções. É verdade que motivados pela intolerância religiosa, reações vem se configurando a exemplo das ações jurídicas e manifestações públicas como passeatas, caminhadas e outros atos que junto com segmentos religiosos e da sociedade civil que forma também sofrem discriminações, tem merecido notabilidade.
Nos respectivos movimentos denúncias são feitas, a liberdade religiosa tem sido avocada, assim como reafirmação da tolerância como condição para a convivência entre as religiões. Igualmente, as prerrogativas da paz entre as religiões e perante a sociedade têm sido um dos tantos motes que embalam as manifestações contra a intolerância religiosa.
Verifica-se então que certa consciência política e no tocante aos direitos assegurados pela Constituição Federal (art. 5º, incisos VI e VIII) dos adeptos vem cada vez mais crescendo, impulsionada, a bem da verdade pelas ações deletérias da intolerância religiosa. Também nessa esteira os Templos Afros vêem exacerbando as suas ações sociais, o seu envolvimento com as políticas públicas, porém esquecendo-se de um víeis crucial nessa cruzada contra a intolerância religiosa que é o estudo acadêmico, sistematizado da teologia da Religião Afro-Brasileira e legalmente reconhecido.
As justificativas contrárias ao estudo da teologia da religião afro, quase sempre tem se atido a argumentações que ha muito perdeu sentido e respeitabilidade como a “inviolabilidade” da transmissão oral do conhecimento ou da pedagogia intramuros dos terreiros/as. Procedimento que provocado denuncias de cárcere privado, motivando com isso diligências policiais e dos Conselhos Tutelares, sobretudo, quando as iniciações envolvem crianças.
Esquecem-se os/as defensores/as da oralidade e contrários ao estudo teológico da religião afro, que o rigor teórico com que no passado era seguido à risca a dinâmica da oralidade na educação iniciática, há muito caiu por terra. Como tem dito Iya Omindarewá, a “defesa” hoje de tais “princípios”, mais esconde debilidade do que seriedade na manutenção da Tradição. Em nome de segredos inexistentes no processo iniciático, estão em jogo, outros interesses que não a sabedoria, a probidade religiosa ou a senioridade iniciática. Há quem alerte para a “hipertrofia ritual e falência moral”, assim como quem enxerga o candomblé e suas denominações regionais como uma “religião aética”.
“Quando os contrários ao estudo da teologia da religião afro corroboram com a discriminação à Religião de Matriz Africana e Afro-Brasileira”, essa hipótese poderia se se tornasse em um projeto acadêmico, as pesquisas tanto empírica como bibliográfica de forma volumosa comprovaria a hipótese irrefutavelmente. Por isso que sem sombras de dívidas a assertiva é essa mesma. As discriminações vêm de fora e são alimentadas pelos desde dentro das Religiões de Matriz Africana e Afro-Brasileira, não restando qualquer dúvida a esse respeito. Como cupim, eles/as (hierarquias, adeptos, etc.,) corroem seu próprio habitat ou lócus consciente, inconscientemente ou por má fé mesmo.
A verdade é que nem o movimento da reafricanização tem conseguido reverter o quadro das discriminações que acometem os adeptos afros. As crianças afrodescendentes sejam elas envolvidas ou não com a religião afro-brasileira são correlacionadas a termos pejorativos atribuídos negativamente às Religiões Afro-Brasileiras.
E como sofrem a camada infanto-juvenil em geral que desprovidas de preconceitos, externam nas escolas seus pertencimentos religiosos afros e dos seus familiares. A mesma se converte em objeto de achincalhes e alvos da intolerância das crianças neopentecostalizadas em função dos seus familiares.
A nossa mais veemente crença é de que o estudo acadêmico e sistematizado da teologia afro, isolada ou comitantemente às ações políticas e jurídicas contra a intolerância religiosa produzirá mudança radical na visão da sociedade com relação à Religião Afro-Brasileira e seus adeptos. Debelando ou iniciando um processo de erradição de toda essa visão negativa que incide contra as Religiões de origem africana.
A tarefa emergencial é a da elaboração de massa crítica acerca da Religião Tradicional Africana, da Religião de Matriz Africana e Afro-Brasileira. E isso no campo da teologia, porque só desta forma se sairá do rol dos charlatões, dos curandeiros e dos que exploram a credulidade pública, tipificado como crime ou ainda muito presente no imaginário da população.
O item VII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil diz que: “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”. Como sacerdotes e sacerdotisas da Religião Afro-Brasileira podem se habilitar a essa função sem curso pós-médio ou superior?
As instituições militares (Exército, Marinha, Aeronáutica), Hospitais, Presídios, etc., não aceitarão os/as Sacerdotes ou Sacerdotisas afros sem formação acadêmica e/ou mediante a apresentação de diplomas de Ministro de Culto conferidos pelas inúmeras entidades de filiação e de “representação” de adeptos das Religiões de Matriz Africana e Afro-Brasileira.
A saída é o estudo da teologia da Religião Afro-Brasileira porque só desta maneira os Sacerdotes e Sacerdotisas tanto da Umbanda como do Candomblé saião do rol dos charlatães, curandeiros e exploradores/as da credulidade pública.

Curitiba, 30 Outubro de 2008, ano do Centenário da Umbanda,


Fundada em 15 de novembro de 1908.


Prof. Jayro Pereira de Jesus
Fone (41) 8803-5048


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1 Texto sem revisão.
2 Mestre em Teologia pelo IEPG da EST, Licenciado em Ciências Religiosas pela PUCPR; editor da Revista Africaxé, Coordenador Nacional do Egbé Òrun Àiyé e do CENARAB, omórìsá

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