quarta-feira, 24 de setembro de 2008

DA ÉTICA (Por Iyalorixá Fernanda de Oxum Doko)


Uma das questões que mais tem me levado a profundas reflexões é a chamada "ética religiosa", do que realmente se trata, quais suas práticas e anti-práticas dentro da religião afro-riograndense e os malefícios que essas atitudes anti-éticas de Babalorixás, Iyalorixás e Omorixás trazem a nós praticantes e, principalmente, distorcem a visão de nossa religião na sociedade como um todo.
Cada dia ouvimos mais e mais relatos alarmantes, o que nos levam a pensar se existiria uma solução para a enorme crise em que se encontram as relações entre o homem e o sagrado, entre os homens entre si e entre esses mesmos homens quando o que têm em comum é o culto ao sagrado.


Estamos vivendo um momento em que o culto aos Orixás acabou se tornando objeto de comércio e disputas acirradas. Não há mais respeito pelo Orixá-Ori de cada ser humano, o que muitos enxergam é o que podem obter com cada cabeça que deite por debaixo de sua faca e acabam deixando de enxergar o Orixá e o ser humano para darem olhos ao lucro e/ou prestígio que cada omorixá (filho de santo) pode trazer para dentro de sua casa.

Na semana passada me deparei com a seguinte situação, que vou narrar a seguir:
Estava no Ilê de meu Babalorixá, prestando obrigação à minha Iyá-Ori Oxum Doko e outros 16 Orixás pessoais juntamente com outros irmãos de santo que também cumpriam obrigações a seus Orixás. Dez dias de trabalho com amor, dedicação, fé, responsabilidade perante as divindades e os humanos que ali se encontravam. Chegou o ápice da obrigação, a Festa Grande no sábado. O encerramento de meses de sacrifícios e trabalho árduo, para proporcionar aos meus Orixás, o meu "sagrado orunmalé" o melhor dos melhores. No final da festa me surpreendo com duas de minhas filhas de santo aterrorizadas com um dito "Pai de Santo renomado" que estava no Ilê de meu Babalorixá à caça de filhos de santo, entre esses, omorixás da bandeira de minha Iyá Oxum Doko.
A uma delas dizia este, insistentemente, que seu Orixá-Ori, confirmado há mais de 5 anos, estaria trocado e seu bori mal-feito. A outra, ofereceu-se para ensinar feitiços e ainda ajudá-la a fazê-los e a "segurar" seus efeitos, já que eu, sua Iyalorixá, me negava a ensiná-la a fazer danos e ainda sempre dei ordens para que não os fizesse. Isso deixando de lado o que o mesmo falou sobre os donos da casa, meu Babá e sua esposa, que jamais teria eu coragem de repetir tais palavras e menos ainda torná-las públicas.
Tal fato me causou uma mistura de indignação, raiva, asco e ainda pena! Pena de pessoas que se prestam a esse papel, irem a casa dos outros comerem de sua comida, dançarem para seus Orixás, participarem do momento de celebração de uma grande obrigação religiosa, como é o batuque de 4 pés, e ainda assim, usar dos bastidores para semear a dúvida, a discórdia, a maledicência e, principalmente, o desrespeito às divindades, à cerimônia em si e aos crentes religiosos que estavam ali dedicando seu tempo e suor para proporcionar a essas mesmas visitas um bom axé de prosperidade, alegria e doçura de nossos Orixás.
Minhas filhas com todos os ensinamentos que receberam de como agir em situações religiosas adversas e respeito à hierarquia, já que estava se tratando de uma pessoa mais antiga na religião, se ativeram a ficarem quietas com tal atitude, pois a confiança e o amor aos seus Orixás e sua Bandeira foram superiores à maldade de quem tentou imputar incertezas em suas mentes e corações.


Mas quantos estão realmente preparados para tais atitudes?


E quantos passam por cima de todos os limites de ética-social, respeito, educação, honestidade, boa conduta, seja esta pessoal ou religiosa; com objetivos carregados de egoísmo e vaidade?
Quantos ditos Pais e Mães de Santo estão aí vendendo feituras, axés, governos, e até cabeças? Cabeças sim, pois pagando bem, pode-se escolher o Orixá-Ori, o Ajuntó e ainda a passagem!!!
Porém, tal comércio só existe porque existem pessoas dispostas a pagar para satisfazerem seus desejos pessoais em relação a sociedade batuqueira. Títulos de babalorixás estão à venda como outra mercadoria qualquer, porém, me pergunto diariamente, qual a validade e garantia desses títulos??? Qual será a nocividade dos efeitos colaterais dessa epidemia a médio e longo prazo e o que será de nossa religião se os valores se corrompem e se perdem cada dia mais e mais ao longo do tempo???


Uma conscientização em massa do que realmente representa o culto aos Orixás, suas bases teológicas e filosóficas seria uma das maneiras de tentarmos reverter esse processo. Porém, enfrentamos uma enorme barreira nessa tentativa de difundir os aspectos culturais de nossa religião, pois em uma sociedade em que conhecimento é poder, e a falta deste pela maioria dos fiéis é a garantia da sobrevivência de muitos "Pais e Mães de Santo" e seus Ilês, essa atitude acaba sendo ameaçadora.



Afinal, muitos são os que lucram com essa desordem religiosa atual!



E quem perde é a Religião Africana como um todo!

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