terça-feira, 23 de setembro de 2008

Òrisà: só respeita quem tem


Crônica de Vanessa Efunpàdé t’Iyemojá (Jornalista, Coordenadora do Egbé/RS, Omosà do Ilè Ogun Onirè e Oyá Niké)


Dizem que as filhas de Iyemojá são rebeldes e eu penso que todo o senso comum tem um fundo de verdade, embora seja filha deste maravilhoso Òrisà! Pois bem, não sei se era por causa da adolescência, mas lá pelos meus 14, 15 anos, eu vivia batendo com as portas lá de casa. Neste caso era por causa da minha mãe, que não me deixava sair TODOS os finais de semana para as baladas, como eu queria.

Um dia eu estava na escola, cabisbaixa, pensando em como a minha mãe era chata, quando uma colega se aproximou perguntando o que eu tinha. “’Tô de cara’ com a minha mãe. Ela é uma chata! Pega no meu pé o tempo todo. Não me deixa sair pras baladas, quer que eu ajude ela o dia todo com a casa, quer que eu diga aonde vou, com quem, que horas volto... é um saco! Não agüento mais!!!”, desabafei. A resposta da minha colega não podia ter me surpreendido mais. Eu, que esperava total apoio e reforço na minha reivindicação, ouvi o seguinte: “Guria, tu nem sabe como eu te invejo. Eu daria tudo para ter uma mãe como a tua. Pelo menos ela mostra que te ama e se preocupa contigo. A minha não quer saber se estou viva ou morta. Se eu saio e não volto pra casa, pra ela tanto faz. Eu não passo de uma sombra. Ninguém percebe minha ausência lá em casa...”. A partir deste dia, minha relação com minha mãe mudou e aprendi uma grande lição: nossos pais nos repreendem porque nos amam e demonstram isto através da proteção.

Contei esta história, um fato real na minha vida, para explicar que, da mesma forma como nos tratam nossos pais consangüíneos ou adotivos, aqui no Ara Òrun, os Òrisàs agem em relação aos seus filhos. Querem ver?

Desde pequena, sempre fui ousada e atrevida, e os corretivos que levava eram proporcionais às minhas travessuras! Uma vez, lá pelos meus oito anos, fiz um “teste”. Queria saber se era verdade essa história de que as pessoas (elegùn) não sabem que manifestam seu Òrisà. Então, fiz uma pergunta a uma irmã minha sobre um fato que ela não presenciou porque estava “ocupada”. Queria saber se ela ia “lembrar” de ter testemunhado o ocorrido. Ela, obviamente, ficou confusa e não soube me responder. E eu, feliz com o sucesso da minha “pesquisa” – que certamente já tinha realizado com outras “vítimas”. Pode ter sido coincidência, mas no dia seguinte acordei com a língua tão inchada que só conseguia beber água! Realizei outros “testes” ao longo da infância e adolescência, sempre seguidos de um grande “laço”.

Porém, eu não entendia, e manifestava a minha inconformidade em relação a outras pessoas, que desrespeitavam violentamente os Òrisàs e... nada lhes acontecia. Por que os Òrisàs eram imperdoáveis comigo e com os outros eram indiferentes?

Hoje em dia, cada vez mais vemos religiosos de matriz africana fazendo barbáries em nome da Religião, afrontando diretamente as divindades, e me parece que há um sentimento coletivo de “impunidade”. Não acredito que haja uma relação maniqueísta, em que os Òrisàs apliquem castigos, como eu imaginava quando era criança, mas penso que é o resultado dos nossos atos que se materializam em “sanções”, por meio da ação dos Òrisàs.

Mas uma coisa a maturidade me ensinou: assim como minha colega de escola, os religiosos deveriam se preocupar muito se estão cometendo interdições e nenhuma conseqüência surge disto. Esta indiferença do Òrisà em relação ao seu filho tem uma causa e, principalmente, uma conseqüência. Eu, particularmente, quero continuar levando meus corretivos, e agradecendo a Olodumare por saber que meus Òrisàs estão presentes na minha vida, me educando, me corrigindo, me protegendo.

Foto reproduzida do livro Mitologia dos Orixás, de Reginaldo Prandi.


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