segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Religião

TEOLOGIA E FILOSOFIA AFRO-BRASILEIRA*



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Hendrix de Orumiláia é Omòrìsà, Coordenador do Egbé Òrun Àiyé/RS, Professor de História, integrante do GT NEGROS e do CEDRAB e militante do Movimento Negro e contra a intolerância religiosa.




Àgo ye ègbón!

As religiões de matriz africana estão alcançando patamares nunca antes alcançados junto às universidades nacionais e internacionais. No passado a religião era vista como um objeto a ser estudado pelos pesquisadores burgueses brancos para conquista de seus títulos em mestrados e doutorados, sempre vendo a religião como algo exótico a ser observado como num zoológico. Geralmente imbuídos por sentimentos eurocêntricos, esses pesquisadores classificavam as religiões de matriz africana como meras seitas anímicas praticadas por negros apedeutas com religiosidade limitada.
Hoje, contrariando todas as estatísticas, vemos nossos irmãos dentro da academia, dentro das universidades, fazendo pesquisas e aparecendo como produtores intelectuais mostrando o Batuque, o Candomblé e a Umbanda com uma visão “desde dentro” como trata Juana dos Santos em seu livro “Os nagô e a morte” (Vozes, 2002). E são muitos os pesquisadores sérios que produzem um material que exprime o pensar da religião africanista a partir de princípios interiorizados na prática do saber acumulado por nossos ancestrais. São Geógrafos, Historiadores, Sociólogos, Psicólogos, Jornalistas, Assistentes Sociais, Biólogos, Pedagogos, Antropólogos, Etnólogos, todos povo do axé. No entanto, o que mais precisamos são de Teólogos, sobretudo aqueles que pensam uma Teologia Afro-Brasileira.
No conceito cristão, Teologia seria a ciência cujo objeto de estudo é o deus bíblico. Como não é possível estudar diretamente um objeto que não vemos e não tocamos, então estuda-se esse deus a partir da sua revelação que seria a própria bíblia. Outro conceito é o de Platão que definiu Teologia como sendo um estudo da natureza divina de forma racional.
Mas e o que seria Teologia Afro-Brasileira?
“É o estudo teórico da concepção de transcendentalidade na cosmovisão africana e sua práxis antropotheogônica afro-brasileira na sua dimensão intercultural”. Essa é a definição do Prof. Jayro Olorodê Ogiyan Kalafor Pereira, baiano da Ilha de Itaparica, iniciado para Oxogiyan no Ilê Axé Opô Afonjá, hoje ligado ao Ilê Alaketu; mestre em Teologia, especialista em Culturas Africanas e Relações Interétnicas na Educação Nacional, bacharel em Filosofia e licenciado em Ciências Religiosas. Ele é o único teólogo acadêmico a desenvolver uma Teologia genuinamente afro-brasileira.
Há cerca de quinze anos o Prof. Jayro fundou o Egbé Òrun Àiyé, uma associação para estudos da Teologia e da Filosofia das culturas negras, com o objetivo de proporcionar aos religiosos de matriz africana uma compreensão melhor sobre suas práticas e vivências. Em meados de 2003, após ter atuado em outros estados como Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina, o Egbé chegou ao Rio Grande do Sul onde foi aclamado e recriado como seccional estadual. Depois de um período de amortecimento, o Egbé/RS retorna revigorado e à toda prova.
A religião de matriz africana, com o passar do tempo, perdeu muito de seus componentes teóricos. Os africanistas faziam rituais e liturgias por pura repetição sem ter o conhecimento dos porquês de suas realizações. Muitos dos antigos sacerdotes ao serem questionados sobre o sentido de se fazer um ritual, geralmente respondiam de forma evasiva, afirmando serem segredos ou que ainda não estava na hora de aprender o que na realidade nunca ensinavam. Ou pior! Por não saber, e para evitar a debandada de filhos, inventavam teorias sem pé nem cabeça, ou se apropriavam de teorias de outras confissões religiosas, muitas delas sem nada a ver com o que praticamos.
O Egbé vem nesse sentido preencher essa lacuna.
Entendemos que o batuque é uma religião negra, de origem africana, adaptada ao Rio Grande do Sul. Entender a religião desse modo, nos faz querer fortalecer essa identidade. E a fortalecemos se os complexos teóricos forem pensados a partir da cosmovisão africana.
Algumas pessoas, no entanto, receosas que são, desacreditam o nosso trabalho afirmando que queremos degradar o batuque ou que tentamos “candomblenizá-lo” ou ainda que estudando Teologia e Filosofia criaremos outra religião.
Mas quanta bobagem dita por quem nem sequer nos dá a honra de visitar-nos em nossos encontros e eventos.
Nossa intenção não é diminuir os poderes dos Pais e Mães-de-santo sobre seus filhos, mas garantir a todos os vivenciadores do batuque um conhecimento mais aprimorado sobre aquilo que eles mesmos praticam. O estudo da Teologia afro-brasileira só trará subsídios positivos, agregando ao batuque componentes teóricos que lhe foram negados historicamente e que podem até mesmo nos servir efetivamente no enfrentamento aos ataques de neopentecostais.

Púpò àse gbogbo!

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Sugestão de leitura
“Os nagô e a morte: pàde, asèsè e o culto égun na Bahia” de Juana Elbein dos Santos.
Tese de doutorado em etnologia defendida em Sourbonne, França. É o mais profundo estudo feito sobre a natureza dos Orixás e dos Eguns. Base eloqüênte para o estudo teológico afro-brasileiro.

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* Artigo publicado no Jornal Bom Axé. Edição 37. Bellgrado. Agosto/2008. Pág. 24

2 comentários:

Anônimo disse...

Permitam-me apresentar também como sugestão de leitura o importanttíssimo artigo de Pierre Verger na área de teologia ioruba:

PIERRE VERGER, Etnografia religiosa ioruba e probidade científica, in: Revista Religião e Sociedade, nº 8, Julho de 1982, Editora Cortez/CER/ISER, São Paulo.

Anônimo disse...

apenas acrescentando:

O artigo de Pierre Verger, acima citado, pode ser encontrado em:

http://culturayoruba.wordpress.com

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